domingo, 6 de fevereiro de 2011

To dare is to live, baby... give me reds...

Havia uma ravina... Uma tempestade... bramia,
e eu... tentava não correr... tentava aguentar de pé...
enfrentando o precipício...

O mar, revolto, parecia se curvar
como nas velhas pinturas de ukyo-e.
Sentia o cheiro do meu pai.

Então uma rajada de vento me abate,
o punho de meu pai, seu corpo...
o velho Yakuza... a morte de minha mãe...
e cada noite que me maquio...

Eu me vejo, humilhado - não quero olhar...
imploro que páre, que silencie, choro que jamais sai...
essa vida que ainda continua apesar da vergonha...

Estou ali, de joelhos, e meu coração toca a música dele
avisto seus lábios, suas palavras sedutoras,
frágil e selvagem... estendo a mão... o destino se tange...

Sinto que devo tentar... agora ou jamais...
Meu peito se corta dentro...
Tudo ruge ao meu redor, raios nos iluminam...

Eu agarro sua mão, seu corpo... e ele abre enormes asas...
asas que o levarão para longe... através do perigo e da vida...
Vejo pessoas escalarem o penhasco, elas vêm salgadas do oceano...
limpas, gritam e sorriem... livres e rebeladas...

Por toda parte as cerejeiras voltam a florescer...
e nós abrimos os braços... ele joga-se, sem medo...
e vou com ele... hesito, quero voltar ao chão...
mas já não posso mais - meus pés em pleno ar...

Ele plana corajoso, bradando suas frases como lemas de amor...
poeta do caos... e me dou conta... que mesmo sangrando... tenho a chance de ir além...
e busco forças no sorriso dele... que me carrega... me faz voar ainda mais alto...

Acordo... Meu suor tem cheiro de sakuras encharcadas... Meu peito explode... Não consigo conter-me... Fecho os olhos, buscando o sonho... Não há como... Minha paz se foi... No lugar, uma alegria me amedronta... Levanto-me, bebo, engulo minhas pílulas... Deixo-me cair nos lençóis sussurrando teu nome como um mantra...

Lembro... O céu trovejava. Cada ribombar, vibrava as cordas da minha alma. Nem mesmo o Neo, porém, pôde nublar aquela visão... os cabelos revirados pelo vento, da cor que o trigo jovem tinha... o corpo, solto, cansado de tudo... e ainda assim... ele parecia reinar na borda do prédio... um soberano descontente mirando suas terras decadentes... incólume, insuspeito... indiferente ao brado dos súditos que o aguardavam, dezenas de metros abaixo... Quando chamei seu nome... foi como se tivesse evocado um feitiço antigo, descuidadamente... sobre mim mesmo.

Devia ter me protegido contra você. Outros já me seduziram. Mas, quando sua voz subiu, rouca, corajosa e forte, sua canção perfurou todas minhas portas fechadas... e algo se quebrou em mim... Queria me enganar, pensar que ainda tinha controle... Estando com outros, tu me atormentava... Meus olhos não conseguiam te deixar... me ensina, queria dizer... me leva só para você... E errei... Hesitei entre dois mundos... e permiti que colidissem...

Queria te resguardar, intocado, mas outra vez, você veio me salvar, se contaminar... Ah... por que?... costura mais ainda essa minha alma esgarçada à tua doce loucura... Caos, me disse... teu peito, o colchão perfeito... tua atenção, fábula que amacia o horror da verdade... Agora que provei tua ilusão e tua doutrina, que posso fazer? Você é meu cavaleiro de armadura?... O que me pediria em troca?...

Escudo... ah... delicioso capricho - não, pedido camuflado de brinquedo, não pense que sou ignorante do seu clamor... mas você, entende a urgência do meu?...

Quero que abra essas asas... e quero arriscar tudo e pular contigo... morrer ou viver... Me assombra, domina meus pensamentos, parece inefável... que agonia!

Fecho os olhos, e peço com um sorriso trêmulo, para sonhar e acordar sob teus olhos tão azuis...

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Titanium powder on tip of fingers... [dried soul]

A minha preferida é o NeoOpium... Supre minhas necessidades e o cool down eu consigo administrar numa boa, sem me arrumar mais encrencas... Espere! De forma alguma incitaria alguém - muito menos você - a fazer uso dele nem de qualquer outra opção na vasta gama de substâncias ilícitas disponíveis... Não tome isso como propaganda ou apologia, eu te odiaria por isso...

Eu falava de mim. Dependo disso. Só sob seu efeito suporto o iniciar de um novo dia. Outro dia como todos os demais há quase sete anos... Acordo. Dormi mal, meu corpo tem novos hematomas. O chuveiro ultrassônico e os jatos ionizados secam o suor de minha pele e zeram esse cheiro escroto que me lembra essa cidade asquerosa. Como preparação aqueço uma lata de bam-chá e mascaro meu rosto com branco titânio, negro, vermelho, dourado... a piteira se acende... serpenteia ao meu redor a névoa purpúrea do Neo... Doçura... sinto-o subir da ponta de cada dedo e invadir minha ráquis... meus movimentos ficam... suaves... o tempo se distende... ah... ele explode dentro de cada neurônio... o limite do real esfumaça... as coisas vibram... ganham vida... alma... som... Eu vejo sonhos flutuando ao meu redor... A companhia não mais importa... tudo torna-se subitamente engraçado... e todos os toques são prazer... todos... sempre...

Um escape ao paraíso surreal que dura quase exatas 4 horas... Minha sorte é que meu cafetão me adora, ele concordou em agendar clientes e trabalhos para o pico, e deixar essa brecha... A brecha de uma hora para eu me recuperar do cool down, do fim da fissura... Uma hora no inferno... Primeiro a dor: as cores machucam, o som... O equilíbrio se perde, a náusea e tontura são tão intensas que se não estou dormindo, ou atado, eu caio pelas paredes, sobre as coisas - e não quero quebrar nada, nem em mim, nem no meu quarto - por isso, normalmente, me amarro à cama com as presilhas... A tempestade assenta... O mundo se esvazia. Tudo se torna idiota, supérfluo, insignificante... as cores parecem cinzentas... os aromas se apagam... minha alma seca... Nesse instante as memórias voltam... Mas não há sentimentos... É como não amar nada, não odiar nada, nem sequer sentir que essa merda toda realmente está acontecendo. Como perceber que você não existe.

Geralmente nesta pausa é que faço meu desjejum... Creio que possa imaginar que sem fome ou tesão por comer, a minha refeição seja breve e mínima... Por vezes, nada. O chá, outra vez. A câmera projeta minha imagem odiada, meus dedos na tinta, a tinta cobrindo meu rosto, a piteira pendurada na boca... O Neo, bendito seja...

Se eu não tiver sido escolhido para algum espetáculo ou como acompanhante, após dez horas de gemidos sou solto. Espero a crise passar. Me troco. Saio. Sou só um borrão nas ruas sujas. Me perco na corrente impetuosa de animais humanos, animais quase-humanos, animais quase-máquinas. Sou dissolvido no burburinho, no fulgor das telas, na perda dos sentidos... até mesmo do sentido de viver, de ser alguém...

Aqui fora, sou uma sombra sem nome...

... Muito prazer...