Há um Deus e ele perdoa...
De cabeça baixa eu aceito esta verdade, pois meu peito ainda tropeça. Não tenho certeza de merecer tanto antes de cair por eles. Sim, eu sei que este é meu final. Ou não...
Não sei como escrever sobre isso e tenho de me perdoar por adiar a confirmação do que fiz por mais uma frase. Já tenho testemunhas demais. São mais três respirações neste quarto, subindo e descendo. Sobre mim, não só os de meu parceiro de deslize. Olhos vermelhos, mas frios - sete, ele me chama, - sete, ele me lembra sempre... Olhos amendoados de menino, incrédulos na madrugada... Aqui, só o meu peso. Aqui, só o sinalizar constante - cheiro de metal recém-forjado e limpeza mórbida, luzes de alerta - minha memória tagarelando: você esqueceu seu posto, soldado.
Quando entrei neste quarto, eu ria. Desde o começo, te conto: o Santo e ele, frente a frente. Ele tinha palavras tortas para escapar ao padre. É o que ele sente, mas mais é o que ele sabe ser o dever. Fiquei ali, observando-os. Às costas eretas, secas. Escutando seus dois corações. Cada palavra engolida. Esperei, como se o apoiasse numa batalha. Sim. "Não é orgulho... só as coisas têm que sê assim..." foi o que disse como se fôsse: boa-noite, fique bem e não se preocupe comigo. Eu recebi a benção por todos vocês. E disse Amén.
Eu ri. Ri... Porque é tão patético, de tantas formas... Porque Cold, mesmo tão sábio, nada entende sobre você... Porque tudo parece tão bobo, mas é tão fundo... Porque eu desejo que você alcance a felicidade, mas ela te leva na direção dele... e tanto mais... Nossas vidas, tão miseráveis, tão tênues, tão desperdiçadas... É tudo tão maior... Há uma beleza tão asfixiante e intangível... E aquele rosto de criança entretido com bolhas de sabão...
Sete...
"Se você não der meia volta..."
Sou quem sou. Mas queria saber como é ser além. Não. Não quero dar um passo a trás que seja do meu objetivo. Jamais reneguei para o que eu nasci. Não é isso. A minha segunda pele no criado-mudo - "deixar você de lado... hoje de noite" - eu tão estranho sem proteção. Faz de conta que sou mais um entre a multidão. Deitar minha cabeça neste travesseiro e sonhar. E o que eu sonharia, se pudesse?...
Foi aquela tua aproximação que despertou em mim o erro da pretensão. Mais uma vez - outra vez - tu passaste da linha segura: perto demais, perto demais... Nas marés do meu sangue, te vi distanciar-se e transformar-se. Você perdendo-se de você. Surdo. Dissincrônico.
Mas tu deixaste uma brecha para mim, entende? Tu cultivaste o demônio da confiança em meu peito oco. E eu o segui. Eu ousei - pela primeira vez, com todas as minhas entranhas, desarmar-me até os ossos e dar vazão às ordens do meu peito. Mesmo mesquinho. Vaidoso. Ou louco.
Aquele instante - não mais que um fugaz suspiro, o lapso de recarregar minha pistola - impresso irremediavelmente em mim. O calor do paraíso ao te enlaçar. Perfeição. Teu cobertor, tua armadura, teu anjo-da-guarda, teu parceiro... aquele que te estima. Tua mão cairia sobre mim e desmontaria meus ossos, e eu nada faria além de sentir aquilo me dissolver por dentro.
Nada faria... Me afastei. Pensei que te respeitava, assim. Enganei-me. Curioso lutar contra si mesmo por ti e depois descobrir que lutava também contra ti... "Tá fugindo de mim? Eu... te incomodo?" "É ruim ficá perto de mim?" Frases me alvejando em cheio. Pulsação entre nós. Três. A minha esmagada contra o ritmo das tuas batidas.
Mármore. E água. Todas as minhas couraças, derrubou-as uma a uma à minha frente. Teu hálito de Sol cantava a ode dos teus dias - só pra mim... A cada palavra tua carne se abria mais em feridas. E eu, algemado na minha impotência, saboreei tua alma brilhante e solitária, trágica e orgulhosa, em cada nota do timbre da tua voz.
Eu confesso aqui: a degustei em cada detalhe terrível, em pecado mortal. E mais... Na minha perdição, eu deixava escapar palavras antes secretas - só para ti... Traços de revelações pairando entre nós, entre cada respiração, em azul gelo, vermelho sangue, amarelo luminoso ou cinza... como eu. A curva do teu queixo. Dobras em tua camisa. O gesto da tua mão. Teu perfil forte e uma estranha poesia. Farfalhar de uma mecha loira sobre teu rosto. Teus olhos. A cor das tuas sardas.
Tão perto.
Tão desprotegido: todo teu mundo sem cercas para que eu invadisse. Para que eu depusesse minhas armas e repousasse na tua relva macia... Ombro no ombro - você disse. Eu disse. Nunca acima. Jamais abaixo. Talvez longe, porém ao alcance. Tudo é você - eu disse, turvo, olhando-te através de uma miragem. Ou quis te dizer... Você - você me respondeu. "Você" Isso é tanto... Isso é muito - demais - e eu não ambicionei isso, não estou preparado para isso.
Entende? Talvez não saiba lidar com toda essa proximidade. Mãos ensinadas a matar e arrancar dor podem ser para você? Abaixo das camadas de mortos encrustrados em minha pele, ainda há algo do que precisas? Meu raciocíonio se move em círculos fatais e eu o travo, eu tento não sucumbir ao empuxo das regras da minha vida. Então, a pressão do teu corpo, enguiçando o mecanismo. Riscas fervilhantes em minha mente paralisada. Eu deixo. Que se dane tudo que fui. O tempo respira. Súbito, o cetim dos teus lábios. Meu mundo de ponta-cabeça. Perdi o comando. E perder a vida em tuas mãos agora, não me parece nada mal.
Tenho todas as instruções erradas, preciso que saibas.
A tela de cristal mostra um pedaço de minha sombra em reflexo sobre estas letras em luz. Queria poder guardar nelas o que sinto ainda agora. Que mesmo com sangue em minha boca, mesmo faltando pouco para a escuridão, eu pudesse ter certeza de reaver isso. Não consigo. Forço todo meu ser nelas, mas é impossível, não cabe nelas... Não cabe nessa sintaxe... O torpor... A clara intenção de me entregar, como um suicida inebriado caindo num fosso sem fundo e experimentando voar...
O mundo inteiro girava sob nós... e simplesmente tudo estava como tinha que estar... você... eu... éramos tudo...
Eu sorrio, no escuro. O gosto da tua boca não sai mais da minha.
{ ... in a world of carbon fields, acid rain and rusted iron limbs, our kisses are just holographic designs floating over the cold network... there are no more prays to be listen... shallow oiled minds... his blood... so so green... as a revenge of nature growing inside his toxicated bones... as a sick thin hope to our lost souls... }
sábado, 19 de abril de 2008
'Bout monkey's desire: tastes like honey, tastes like fire
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