sábado, 19 de abril de 2008

'Bout monkey's desire: tastes like honey, tastes like fire

Há um Deus e ele perdoa...

De cabeça baixa eu aceito esta verdade, pois meu peito ainda tropeça. Não tenho certeza de merecer tanto antes de cair por eles. Sim, eu sei que este é meu final. Ou não...

Não sei como escrever sobre isso e tenho de me perdoar por adiar a confirmação do que fiz por mais uma frase. Já tenho testemunhas demais. São mais três respirações neste quarto, subindo e descendo. Sobre mim, não só os de meu parceiro de deslize. Olhos vermelhos, mas frios - sete, ele me chama, - sete, ele me lembra sempre... Olhos amendoados de menino, incrédulos na madrugada... Aqui, só o meu peso. Aqui, só o sinalizar constante - cheiro de metal recém-forjado e limpeza mórbida, luzes de alerta - minha memória tagarelando: você esqueceu seu posto, soldado.

Quando entrei neste quarto, eu ria. Desde o começo, te conto: o Santo e ele, frente a frente. Ele tinha palavras tortas para escapar ao padre. É o que ele sente, mas mais é o que ele sabe ser o dever. Fiquei ali, observando-os. Às costas eretas, secas. Escutando seus dois corações. Cada palavra engolida. Esperei, como se o apoiasse numa batalha. Sim. "Não é orgulho... só as coisas têm que sê assim..." foi o que disse como se fôsse: boa-noite, fique bem e não se preocupe comigo. Eu recebi a benção por todos vocês. E disse Amén.

Eu ri. Ri... Porque é tão patético, de tantas formas... Porque Cold, mesmo tão sábio, nada entende sobre você... Porque tudo parece tão bobo, mas é tão fundo... Porque eu desejo que você alcance a felicidade, mas ela te leva na direção dele... e tanto mais... Nossas vidas, tão miseráveis, tão tênues, tão desperdiçadas... É tudo tão maior... Há uma beleza tão asfixiante e intangível... E aquele rosto de criança entretido com bolhas de sabão...

Sete...

"Se você não der meia volta..."

Sou quem sou. Mas queria saber como é ser além. Não. Não quero dar um passo a trás que seja do meu objetivo. Jamais reneguei para o que eu nasci. Não é isso. A minha segunda pele no criado-mudo - "deixar você de lado... hoje de noite" - eu tão estranho sem proteção. Faz de conta que sou mais um entre a multidão. Deitar minha cabeça neste travesseiro e sonhar. E o que eu sonharia, se pudesse?...

Foi aquela tua aproximação que despertou em mim o erro da pretensão. Mais uma vez - outra vez - tu passaste da linha segura: perto demais, perto demais... Nas marés do meu sangue, te vi distanciar-se e transformar-se. Você perdendo-se de você. Surdo. Dissincrônico.

Mas tu deixaste uma brecha para mim, entende? Tu cultivaste o demônio da confiança em meu peito oco. E eu o segui. Eu ousei - pela primeira vez, com todas as minhas entranhas, desarmar-me até os ossos e dar vazão às ordens do meu peito. Mesmo mesquinho. Vaidoso. Ou louco.

Aquele instante - não mais que um fugaz suspiro, o lapso de recarregar minha pistola - impresso irremediavelmente em mim. O calor do paraíso ao te enlaçar. Perfeição. Teu cobertor, tua armadura, teu anjo-da-guarda, teu parceiro... aquele que te estima. Tua mão cairia sobre mim e desmontaria meus ossos, e eu nada faria além de sentir aquilo me dissolver por dentro.

Nada faria... Me afastei. Pensei que te respeitava, assim. Enganei-me. Curioso lutar contra si mesmo por ti e depois descobrir que lutava também contra ti... "Tá fugindo de mim? Eu... te incomodo?" "É ruim ficá perto de mim?" Frases me alvejando em cheio. Pulsação entre nós. Três. A minha esmagada contra o ritmo das tuas batidas.

Mármore. E água. Todas as minhas couraças, derrubou-as uma a uma à minha frente. Teu hálito de Sol cantava a ode dos teus dias - só pra mim... A cada palavra tua carne se abria mais em feridas. E eu, algemado na minha impotência, saboreei tua alma brilhante e solitária, trágica e orgulhosa, em cada nota do timbre da tua voz.

Eu confesso aqui: a degustei em cada detalhe terrível, em pecado mortal. E mais... Na minha perdição, eu deixava escapar palavras antes secretas - só para ti... Traços de revelações pairando entre nós, entre cada respiração, em azul gelo, vermelho sangue, amarelo luminoso ou cinza... como eu. A curva do teu queixo. Dobras em tua camisa. O gesto da tua mão. Teu perfil forte e uma estranha poesia. Farfalhar de uma mecha loira sobre teu rosto. Teus olhos. A cor das tuas sardas.

Tão perto.

Tão desprotegido: todo teu mundo sem cercas para que eu invadisse. Para que eu depusesse minhas armas e repousasse na tua relva macia... Ombro no ombro - você disse. Eu disse. Nunca acima. Jamais abaixo. Talvez longe, porém ao alcance. Tudo é você - eu disse, turvo, olhando-te através de uma miragem. Ou quis te dizer... Você - você me respondeu. "Você" Isso é tanto... Isso é muito - demais - e eu não ambicionei isso, não estou preparado para isso.

Entende? Talvez não saiba lidar com toda essa proximidade. Mãos ensinadas a matar e arrancar dor podem ser para você? Abaixo das camadas de mortos encrustrados em minha pele, ainda há algo do que precisas? Meu raciocíonio se move em círculos fatais e eu o travo, eu tento não sucumbir ao empuxo das regras da minha vida. Então, a pressão do teu corpo, enguiçando o mecanismo. Riscas fervilhantes em minha mente paralisada. Eu deixo. Que se dane tudo que fui. O tempo respira. Súbito, o cetim dos teus lábios. Meu mundo de ponta-cabeça. Perdi o comando. E perder a vida em tuas mãos agora, não me parece nada mal.

Tenho todas as instruções erradas, preciso que saibas.

A tela de cristal mostra um pedaço de minha sombra em reflexo sobre estas letras em luz. Queria poder guardar nelas o que sinto ainda agora. Que mesmo com sangue em minha boca, mesmo faltando pouco para a escuridão, eu pudesse ter certeza de reaver isso. Não consigo. Forço todo meu ser nelas, mas é impossível, não cabe nelas... Não cabe nessa sintaxe... O torpor... A clara intenção de me entregar, como um suicida inebriado caindo num fosso sem fundo e experimentando voar...

O mundo inteiro girava sob nós... e simplesmente tudo estava como tinha que estar... você... eu... éramos tudo...

Eu sorrio, no escuro. O gosto da tua boca não sai mais da minha.

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