Fôra um dia daqueles... de cão... Minha vida estacionara novamente naquele velho capítulo escarlate...
Cães de guerra, outra vez. Abríamos caminho ao comboio que contém - em poucas palavras - tudo que importa. Eu precisava estar no auge do impossível para defendê-los. Nenhuma criança abatida. Eu não permitiria que tocassem nelas. A droga produziu aquele efeito deliciosamente psicótico em mim. Um mundo sobreposto por arabescos. Cintilâncias... Cheiros tão vivos que tinha de engoli-los com litros de saliva. Um mundo simples, aberto ao meu talho, sem meandros, reticências, interpretações... Um mundo sem questões. Ação e reação.
Enfim eram tantos por cima de mim que me senti implodir e esgarçar por dentro, estirado pelo impacto de tantos corações pulsando, tripas em convulsão, tantos gritos, arfares, suores, couros... pólvora - carne viva, queimando, sangue de tantos cheiros... Dos meus genes fosforescentes ela irrompe e minha pouca humanidade cede sem resistência, desfia-se como meias de náilon... Eu... Monstro sem nome... Mastim que estraçalha os inimigos de seu amo... Falanges jogadas ao ar - hipérboles. O convexo de um olho tornando-se côncavo. Uma pirueta de um decepado.
Fujam de mim, ou caiam!!! - eu rujo, rosno, uivo. Acima de mim, o raio alongando-se, tentando tocar a fortaleza às minhas costas. Inalcançável. Bestificado, minha mente repetia 'não pode... fulminá-los... não podemos deixar...' Então o feixe falhou, piscou, irregular, vencido. Pensei em ti. Só você faria aquilo.
Não te vi cair. Nem cogitei isso... Tenho aceito bem demais a tua invencibilidade. O garoto me acudiu quando tudo tornou-se restos. Nos pequenos gestos e olhares, ele é teu filho. Evoca-te. Me confunde. Vale-se disso para pedir-me: 'procura-o'. As lágrimas todas imploravam - desnecessário: eu iria. Sabe que sim. Aos gemidos fabulou a sorte que te coubera - a tua morte, que eu ignorava. Corri. Sobre mortos e aleijados, vencendo o espaço e o tempo como se pudesse rebobinar tudo e evitar o que te feriu. Atolei na areia macia demais, clara demais. Sal nas minhas narinas. Dor nos meus pulmões. Pensamentos ocos.
O imenso mar e algo muito sutil de ti. Deixei-o ali e segui louco para dentro do escuro silencioso. Penetrei o fio do frio daquelas águas. Por ti. Cada pequena faísca de nossos poucos dias, bailando e descendo ao meu redor. Cada momento brilhando naquela escuridão, partículas em minha mente enquanto forçava meu caminho. Douradas, como teus cabelos. Impactantes, como tuas palavras cruas. Capazes de me dar perseverança, como tua pregação... Relembrei até as coisas tolas, os risos que roubaste, o esdrúxulo do teu drible contra as crianças... O motor de sua moto sob nosso peso - voávamos sobre a rua, sobre a vida. E lá no fundo, emoldurado por todo meu delírio desesperado, te enxerguei.
Tu não ousarias morrer! Eu não aceitaria. Tua carne e tua essência aos pedaços, contra meu peito. Tubos de proteínas, os olhos deles me encarando... Não, com você eu não permitiria. Enquanto o Sol declinava, teu corpo gelado e incompleto repousou, devorado pelas esperanças teimosas do fedelho e deste assassino. Então, aquele que tu venera veio em teu socorro. Invejei-o. Registrei a corrente fluir, viscosa e etérea, para dentro da tua carcaça. Só ele poderia. Eu, reduzido a mera testemunha. Meu medo como uma flecha numa corda tensionada. Segurando, ainda não, ainda não... Lembro de fechar o olho e pedir por ti. Rasuras sépia flutuando sobre pensamentos que tentam seguir adiante.
Naquele ninho sob o olho do Sol que tanto amas, o milagre da tua volta...
Preciso de ti: este é um ponto fraco, que não deveria ter. Me atrapalho. Dou vexame frente aos teus olhos frios. Me revolta. E a emoção brota mais forte que todo o senso, mais alta que minha voz. Te sinto, e só assim confirmo que está aqui. Pele a pele.
Nós lutamos entre sorrisos... Disputamos quem deve proteger. Quem deve ser protegido. Está tudo bem. Entende? Que se rompam em nós estes casulos inoxidáveis onde nos trancamos. Estanques. Intocáveis. Somos soldados. Somos consumíveis pela lei da Espada. Hey, antes que isso nos apague, posso te convidar para apreciar a vista? Posso te contar o que ando aprendendo? Ou talvez, o que ando sentindo? Será que não vê nos olhos deles o quanto te querem perto?
Aqui em meu peito há uma perda se formando, maior que todas as que já tive. Olho prá ti, tu te vais. De novo, à frente, sei que estarás nos guardiando. Não faz sentido, eu sei, ter laços. Mas coisas inusitadas e sem lógica certa é que destrancaram a vida, para mim, há tão pouco tempo...
Olho o lençol desocupado e os meus braços nus. Uma flor que morrerá no mesmo dia que nasceu não deveria abrir-se no seu melhor perfume?...
{ ... in a world of carbon fields, acid rain and rusted iron limbs, our kisses are just holographic designs floating over the cold network... there are no more prays to be listen... shallow oiled minds... his blood... so so green... as a revenge of nature growing inside his toxicated bones... as a sick thin hope to our lost souls... }
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