Sigo a trilha dos movimentos dela. Seus batimentos cardíacos. Pistas hormonais. Nenhum detalhe me escapa. - Exceto a verdade... - Sua origem. Shinra... Uriel gravita em torno dela. Uma ternura carente nos olhos dele. A vibração nova em sua voz. Um incentivo para minha vigília - ele é a presa perfeita.
Ele chega. Saio da vitrine do museu. Um time, outra vez. Troca palavras com ela, atira-as. Sinto no olhar dele, na contração de um ou outro músculo, que ele a está conduzindo, fazendo-a encarar-se, descer do muro. Analiso até mesmo suas pausas... De arma e ameaça, de mulher e tentação, em inocência e doçura. Basta uma moeda. Some e reaparece. Os olhos verdes abrindo-se como os dos pequeninos. A boca, carnuda, num "o". Promessas e lugares mágicos. Ela brilha. Ane está mesmo maravilhada...
Curiosidade. Matizes entrelaçadas e enervantes entre ela e eu. Destrave esses segredos para mim... Onde viveu? Com quem? Como foi sua infância, seu passado, cada um de seus dias até a Corporação trazê-la a nós?... No que acredita?... Aliada ou inimiga de uma só vez, sem estorvar-me mais...
Flores brancas, miúdas. O ângulo de seu rosto. Delicado. O jeito atrapalhado de comer. Absurdo. A risada que me dói e destoa dela - mas é tão dela...
Quem é você, Ane Marie?
A que veio?
Ele livra-se rápido do prato. Inquieto. Incomum. Entrega-me ela. Não quer que eu faça mais nada a não ser pajeá-la?!... Sei que é importante!... Não é isto... Estar alerta para que não haja sangue. Estar atento para captar qualquer informação... Mesmo assim... assim que ela põe a última garfada na boca já estou me levantando. Quero aquela conversa contigo, e... ... ... Esse não é meu único motivo... Não digo mais que isso.
Ela tropeça, resmunga. Suas roupas. Pego-a com o canto do olho. O grosso das pernas. É... chega a doer. O branco leite. Máculas rosadas. A saia, presa nos cantos da roupa de baixo, clara, macia. O drapeado em arcos concêntricos balançando entre suas coxas. Corro meu olhar pelas paredes. Rilho dentes. Controlo-me. O Padre se despede. Tanjo-a pelos corredores e salões. No rastro dele. Pressiono-a para me acalmar. Ela conviveu com crianças. Gosta delas. Especialmente do cheiro - bom para dormir...
Voltam-se a ela como lobos. Homens e seus apetites... A plataforma muito aberta à amplidão de azuis... Chiados no silêncio quase vazio... Iodo... Sal, ardido... Ritmo na vastidão cintilante lá embaixo... O Sol alto... ... ... Ele, num salto impossível, das ondas a nós...
Ela o admira.
Sento-me, farejando o horizonte. Aquecido. Tua voz cantando notícias. Leões rechaçados em Cosmo Canyon. Interesses em Huge Materias. Uma nova missão. Ânimo... Me brocha saber que não devo sangrá-los até que mergulhem no Styx... Poupar tantos quanto pudermos... não é, parceiro? Fecho o olho. Um disco laranja em minha retina. O amargo em mim. O amargo da abstinência. Nos arriscamos para salvar esse povo. Creio que isso seja o contrário de exterminá-los... Entôo o Cântico, bem quieto, lá no fundo de mim mesmo.
O peso do Céu - "Sou livre para não ser P.A.#7."
Um murmurar sobre teu irmão, a confissão de um sonho - e o teu sofrimento em cada sílaba. Perigo. Meu sonho, voltando. Encadeio planos, mas num inspirar, a conversa gira. Cartões, levá-la... O que??? Tonteio. Do que falamos? Vestidos... Eu? "Requinte" Comprar gravatas... Um sorriso diferente em ti. Ele, na evasiva, apontando ao longe. Seu vulto recortado contra o anil, duro demais, isolado. Indo...
Um sentimento rasgado em mim...
Outra vez, ela comigo. Devo ter paciência. Não há nada que saber sobre mim. Nada que possa lhe dizer sobre Kuroi. Está se acostumando mal... Sua insubordinação me avilta. Ela contesta... Aborreço-me. Quer cooperar?... - ah, não só você!... Então resolvo: transgrido. Deixo a porta da gaiola escancarada. E mostro o caminho...
Logo, ela voa, rápida como o vento. O calor dela... me ultrapassando, dissolvendo-se no ar. Flores brancas num véu entre ela e eu. O allegro dolce altíssimo de seus passos no metal... A trajetória dos fios ondejando... salamandras... labareda... A excitação de seus corações...
Jogo-me atrás dela. Um pouco atrás... Caçando-a, me inibo. Me... complico... O salto dela. Leve, fino, penetrante... Um florete no corpo do mar... Adrenalina. Dou tudo de mim - sem porquê. Arremeto numa explosão. Vôo livre, a folha d'água muitos metros abaixo... As roupas dela como pétalas de flor. Ou borboletas marinhas bailando ao seu redor...
Fecho os braços à frente, e rasgo a carne do Oceano com meus dedos retesados. O som fustigiante de meu peso contra o empuxo... Azul frio lambendo meu uniforme - esperto, guarda ar para nós... As pernas dela... seu movimento de serpente... O espectro do navio. Nuvem de areia... Já não está sem ar? Ela guina, eu subo junto. A luz atingindo-nos através da água. Segundos, bolhas de ar vazando. Você consegue?... Enfim, a música das suas risadas.
E tu? Observo-te: tu estás nos cuidando... Feixes dourados, pálidos, do teu peito. Me rendo... Arabescos de pressão e sal. Incontáveis indas e vindas das correntes inconstantes. Diante de ti, o Universo me arrebata, Drako...
Acordo. O dois em carga arrastam o titã. Mais fundo. Mais. Ainda falta... Examino de longe: só uma testemunha de sua força. Vergonha... Eles sobem. Sei que vão tentar de novo.
Vasculho o cenário, analiso... Banshee. No máximo. Um bom ponto de apoio. O bote pontiagudo. Minha contorção que amplifica o poder dela. A água explode... Espasma, como um enorme ser. Borbulha selvagemente. Risca-me. - Meus tímpanos!... - Cerro os dentes, cerro os dedos. Minha mortal rasgou uma grande fossa junto ao casco.
Os dois descem. Me afasto. O soco na água me empurra longe... O lamento, um rangido abafado e longo, do cargueiro. O Sol me guiando para cima. Rápido! Arde respirar. Nuvens desenrolando-se entre meu olhar. Vejo coisas, - memórias - . Mantenha o foco no que está acontecendo... Escuto-o em mim - como se ele pudesse abrir uma porta e enfiar a cara para dentro do meu cérebro - muito claro. Furioso, ácido sob fios brancos.
Obedeço... O céu! O traje derrete de mim, me libera. Inspiro com um grito. Sede de ar. Consegui. Relaxo. Arquejo, mas vejo os dois comemorando... Conseguiram. Sorrio. Nós conseguimos.
Nós...
Drako... Eu... ... ... e... Ane Marie...
[2ª versão, editada em Agosto, 23, 2008]
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