domingo, 2 de março de 2008

Crimson mouths cry my crimes so do I

A cidade dorme. Aqui de cima, vejo seu grande organismo putrefato respirar vagaroso. Luzes. Rumores. Escuridão.

Da beirada observo tudo, mas não mais como antes. Seis meses cheirando meias sujas de fedelhos, menos de uma semana ao seu lado. Algumas vozes silenciaram em mim. E deram espaço a outras. Olho a cidade e não a reconheço - nem ela a mim.

Minhas retinas de tapetum lucidum captam silhuetas imóveis muito ao longe. Você deve estar com ele, naquela direção. Está saindo conforme teu plano?... Fecho os olhos e invoco minha mente para a mesma energia. Tê-lo perto o fará mais forte... ou mais descansado? Ou mais feliz? Talvez todas essas coisas, quem sabe?...

Sinto a aragem como o bafo pesado dessa garganta imunda de concreto, asfalto e vigas metálicas. Me inquieto. Essa dor, estranha em mim, renasce hoje de novo. Eu tinha de estar em outro lugar. É como se tivesse esquecido algo para trás...

Reviro tudo em rápidos flashes de uma memória viva demais. Visual e olfativa. De sons claros em hi-fi. É só insônia, é só expectativa diante de uma nova missão. Você me pediu para tomar conta dos pivetes. Cá estou, não abandonei esse posto tedioso. Mas há algo importante que continua me chamando sem que eu distinga o que.

Deito sobre minhas costas, acendo um cigarro escasso, digito mais algumas palavras nesse diário. Fixo meu olho naquelas nuvens amareladas que escondem a Lua. Bytes passam. As palavras do Santo cochicham algo. As suas, cantam baixo quase a mesma coisa, mas diferente.

Meu coração atropela. O estômago embrulha. Toda a beleza do Mundo que vocês dirigem a mim e me fazem ver, traz de volta a podridão que deixei no meu rastro.

Crianças com fome. Crianças aos pedaços. Olhos miúdos em fresta. Gente ou ratos? Ratos de laboratório. Tubos. Programações. Alvos. Sangue. Sangue. Sangue. Teu sexo. Teus olhos me pedindo. O que?... O que?!... Ausências. Portas. Rotinas. Rebeldes aos montes. Rebeldes em pilhas ao ar livre. Monturos de gente. Carne apodrecendo. Lixo. Tua mão pequenina, suja. Teu choro pungente. Teu desespero desamparado dentro de mim. Estou ruindo... Ruindo... Ru-in-do... Zilhões de farpas. Tiros. Pressa. Lâminas. Tripas. Gritos. "Misericórdia". Eu destruí. Eu destruí! Destruí!!!... O Crucificado me encara. Perto demais. O Santo me abençoa. Você me estende o braço. Um homem que não conheço se curva aos meus pés. "Obrigado" ele sussurra na lama. Uma flor hoje. Um sorriso de menino. Morangos. Bocas abertas tão vermelhas e secas implorando. Crianças murchando lá fora pelo chão.

Arfo. Controlo o pulso. Acocoro-me no peitoril vendo tudo borrado. Digito e revejo. Estou estragado. Tão estragado... Meu prazer agora só evoca o raciocínio amargo de que vocês nada têm...

[to be continued...]

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