quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Fractal flesh on factoid flashes

Estava dirigindo o caminhão, quando de repente, minha memória foi invadida por aqueles eventos esquecidos. Por meses eu me torturei, procurando pistas sobre meu desvio... Um instante qualquer em que tivesse pressentido que iria sair da estrada... Eu lembrei... finalmente.

Cores. Fragmentos estanques de espaço-tempo. Como uma estilhaço de ferro quente, sua figura perfumada. Era meu primeiro dia em campo junto com civis. Via por cima dos bancos, o recorte dos ombros do CANNIBAL número 3, um dos sêniores. 'Tava tão nervoso e cheio de adrenalina que poderia gritar e correr em círculos, subir muros e me atirar de um penhasco. A caravana perdia Midgard quilômetros atrás.

Tédio, nada acontecia. Do meu lado uma sentença grave se passasse o sinal. Tinha que suportar. Imaginei que era um teste. Que, a qualquer momento, minha concentração seria vital. Eliminar alvos. O campo verde em minhas pupilas. Uns acionistas gordos, uns ratos de laboratório e tocando o circo, o teu pai, lá na frente. Pela janela, um Mundo que eu desconhecia. Risadas cínicas, comentários maliciosos de impotentes. A poucos centímetros de mim, você, dividindo o banco comigo.

O couro claro exalava cheiro de cera. O teu fruto proibido me enchia a boca de água.
Um céu claro demais, de um creme berrante que faísca dourado. Cerro meu olho só de recordar. Meu rosto, tão mais novo e zerado, espelhado em teus olhos insistentes. Eu via árvores... Nuvens... Céu... O que conversamos? Suas palavras velhas, de dez anos, sopram de novo, uma coisa ou outra. "... tudo que nasce tem uma ligação especial..."

Um feixe de luz dançava na tua blusa, iluminava ora tua boca, ora uma mecha de teus cabelos negros. "... o que fez até agora?" Tu eras não mais que uma garota recém pondo peitos. " ... mas é feliz?" Feliz... Número três respirava devagar. Teu pai metralhava explicações. Fecho o olho e ainda posso sentir tua mão sobre a minha, escondida deles. "nunca tinha sentido falta do céu? eu sempre..." Um projeto. Melhoramentos. Reservas ricas em carga genética...

"Você é um animal livre como... " Vozes de feras decantando fundo. O cheiro do vento. "... correr pelo Mundo?" Teus argumentos iam num crescendo de desespero e intimidade. "Não suporto o que meu pai está fazendo com você! conosco!... você é muito mais que um cão de guerra! " Tua coxa encostou na minha. Fiquei duro e tentei me concentrar em não dar na vista. Vi uma mancha azul vibrando, vibrando entre nuvens. Eu achava ainda que era o soldado perfeito.

Espio pela janela do caminhão e relembro de fazer o mesmo gesto quando tu me apontavas insetos, pássaros distantes, flores sobrecarregadas de cor. "... o que você realmente quer?" Teu coração impunha um ritmo de pedidos urgentes: me liberte, me entenda... me foda... Não a atendi, fiz tudo parecer que a ignorava.

Enfrentamos ameaças por duas vezes.
Entrei no blindado como teu campeão, primeiro aplaudido, depois espreitado com pena. "... estava me protegendo mesmo?" "... não" "... só quer ver sangue..." "... você só tem esse maldito treinamento, não é?!" Espreitava lágrimas em teus cílios pesados. Mas o que te fazia sofrer, eu não conseguia alcançar... "por que não me responde???" Saí da missão sem máculas, com recomendações. Pus você em seu lugar. Uma simples boceta civil. Fiz carreira. Tinha virado a página...

... ou assim pensei...

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